terça-feira, 24 de julho de 2012

Texto "O Ato Gratuito" de Clarice Lispector - Uma áudio-descrição literária


O texto que segue, de Clarice Lispector, é tocante se observado pelo olhar da áudio-descrição. É interessante observar a maneira como a escritora, através do texto literário, transcreve suas sensações, de forma sutil e sedutora, levando o leitor a passear consigo, através de sua narração, extremamente descritiva.
Arrebatador e simplesmente extraordinário. Boa apreciação!

Thiago Cerejeira


"O ATO GRATUITO"

por Clarice Lispector

Muitas vezes o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito,  se tem causas, são desconhecidas. E se tem conseqüências, são imprevisíveis. O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e  ônibus, pela nossa vida diária enfim - que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço. Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens bran- quíssimas, estava eu escrevendo à máquina - quando alguma coisa em mim aconteceu. Era o profundo cansaço da luta. E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordaria. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar idéias de mim  mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava - precisava com urgência - de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu secretamente era. E necessitava de um ato pelo qual eu não precisava pagar. Não digo pagar com  dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver. Então minha própria sede guiou-me. Eram duas horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: vamos ao Jardim Botânico. "Que rua?" perguntou ele. "O senhor não está entendendo", expliquei-lhe "não quero ir ao bairro  e sim ao Jardim do bairro." Não sei por que olhou-me um instante com atenção. Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortíssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse  no rosto grato de olhos entrefechados de felicidade. Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver. Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava  por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério. O mistério me rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvore de tronco nodoso e escuro, tão largo que me seria impossível abraçá-lo. Por dentro  dessa madeira de rocha, através de raízes pesadas e duras como garras - como é que corria a seiva, essa coisa quase intangível e que é vida? Havia seiva em tudo  como há sangue em nosso corpo. De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de  leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom - comó um estremecimento apenas perceptível  de alma - um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída. Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhei-me toda. Sem me incomodar:  esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim. O chão estava às vezes coberto de bolinhas de aroeira, daquelas que caem em abundância nas calçadas de nossa infância e que pisávamos não sei por quê, com enorme  prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom. Estava com um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco. Voltarei num dia de muita chuva - só para ver o gotejante jardim submerso.

Nota: peço licença para pedir à pessoa que tão bondosamente traduz meus textos em braile para os cegos que não traduza este. Não quero ferir olhos que não vêem.

sábado, 21 de julho de 2012

Revista Brasileira de Tradução Visual - Volume 11 - Junho 2012


Olá Pessoal!

Convido a todos para conferir o volume 11 da RBTV - Revista Brasileira de Tradução Visual, que traz alguns artigos interessantes sobre acessibilidade e inclusão, além de áudio-descrições. Entre eles está artigo que escrevi acerca da acessibilidade, na copa de 2014.

Vale a pena conferir!

Leiam, comentem, divulguem!

Link para   acessar os artigos e áudio-descrições da revista:


Link para o artigo "Acessibilidade na Copa de 2014: Um Mundial sem Fronteiras":

domingo, 1 de julho de 2012

Áudio-descrição da pintura "Barco com Bandeirinhas e Pássaros" de Alfredo Volpi


Em homenagem ao período de Festas Juninas, e à forte  tradição, muito comemorada no  nordeste brasileiro, compartilho a áudio-descrição desta pintura, do artista Alfredo Volpi,  tão emblemático  pelas composições  de  "bandeirinhas", em suas obras.

Escolhi esta tela, em especial, pela sua representação lúdica, que transmite a sensação de alegria e leveza,  e claro, porque as bandeirinhas não poderiam faltar, afinal, é Festa de  São João!


Notas sobre a obra

A imagem áudio-descrita é uma fotografia colorida com dimensões de aproximadamente 11 por 15 centímetros em formato paisagem. A obra "Barco com Bandeirinhas e Pássaros", do  artista italo-brasileiro Alfredo Volpi, é uma têmpera sobre tela, com 54,2 centímetros de altura por 73 centímetros de largura. É considerada do movimento Modernista, datada de 1955 e pode ser apreciada no  Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Embora tenha nascido na Itália , Alfredo Volpi imigrou ao Brasil com 2 anos de idade e sempre dizia que seu coração era brasileiro. O pintor adorava misturar cores em telas com essência geométrica.  Na obra "Barco com Bandeirinhas e Pássaros", percebe-se bem estas paixões de Volpi. A pintura é vívida, alegre, rítmica e leve; com cores misturadas. As bandeirinhas, claro, estão presentes. O pintor brasileiro também usa os pássaros para dar uma impressão de movimento ao barco.

A ideia de pintar bandeirinhas veio de uma vez em que Volpi estava com sua mulher passeando em um sítio no interior de São Paulo. Era época de Festa Junina e o espírito observador do artista o fez incorporar as bandeirinhas em seu trabalho. O próprio  Volpi anuncia esta fase da seguinte maneira:

"A gente se desliga e então  só passa a existir o problema da linha, forma e cor. Minhas bandeirinhas não são bandeirinhas; são só o problema das bandeirinhas".


"Barco com Bandeirinhas e Pássaros", de Alfredo Volpi - 1955

Áudio-descrição

A imagem apresenta um barco, em perspectiva lateral, sobre fundo  azulado. O casco do barco, em tom esverdeado, tem formato oval, partido ao meio. O barco está posicionado de forma centralizada na tela, de modo que seu fundo está bem rente à base inferior da moldura, e suas extremidades bem próximas às laterais.   De dentro do barco saem dois mastros verticais, que estão localizados, cada um,  próximos as estremidades e tem nas  suas  pontas, uma bandeira, em formato de bandeirinha tipicamente  junina, porém maior que o  tamanho comumente utilizado, hasteada em posição horizontal. Das extremidades do barco saem, em diagonal e em   direção à metade  dos mastros, um cordão com várias bandeirinhas coloridas,  em tons de verde e vermelho-alaranjado. Ligando os dois mastros está um cordão horizontal com bandeirinhas, que juntamente com os cordões diagonais, configuram o formato de um trapézio  ou tenda. Existem ainda na tela, representações de quatro pássaros de cor escura  voando  sobre o barco.   Próximo ao mastro da esquerda estão posicionados, um ao alto  e à esquerda, e outro mais abaixo e à direita.  Um dos pássaros está posicionado bem no centro do quadro, em região bem próxima à borda  do  casco. O quarto pássaro localiza-se um pouco mais acima deste e ao lado  do  mastro da direita.


CEREJEIRA, T. L. T. Áudio-descrição da Pintura "Barco com Bandeirinhas e Pássaros" de Alfredo Volpi.