quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"Fonte", de Marcel Duchamp

"Fonte", de Marcel Duchamp - 1917



Descrição da imagem:

"Fountaine" ou "Fonte", de 1917/1964, Ready-made, é um urinol invertido (de cabeça para baixo) de porcelana, com  23,5 x 18 cm, altura 60 cm. Milão, Coleção de Arturo Schwartz. Trata-se de um urinol comum, branco e esmaltado,  comprado numa loja de construção. Duchamp compara a peça com a projeção de Buda. Olhando bem de perto, parece mesmo com a imagem dele.  Entretanto, a despeito do gesto iconoclasta de Duchamp, há quem veja nas formas do urinol uma semelhança com as formas femininas, de modo que se pode ensaiar uma explicação psicanalítica, quando se tem em mente o membro masculino lançando urina sobre a forma feminina.

Marcel Duchamp (1889 - 1968) é um dos artistas mais influentes da contemporaneidade. Irreverente, confrontou-se com os estilos de sua época e declarou a arte como um experimento.  Além disso, Duchamp criou o ready-made , a arte de recriar em cima de obras já existentes.

Duchamp passou a incorporar material de uso comum nas suas esculturas. Em vez de trabalhá-los artisticamente, ele simplesmente os considerava prontos e os exibia como obras de arte.

Duchamp enfatizava, muito antes de virar moda o discurso da acessibilidade,e dizia que  para pessoas com necessidades especiais, seria necessário romper com a "arte retiniana", ou seja, a arte que percebemos essencialmente pela retina, pois pessoas cegas ou com glaucoma espiritual não poderiam ter acesso aos seus conteúdos -e, no final das contas, uma imagem sempre diz muito mais do que seu recado imediato nos faz supor. A idéia era que a arte deveria ser, sobretudo, uma idéia, e não uma forma. O urinol que Marcel Duchamp mandou para o Salão dos Independentes, em Nova York (1917), completou 90 anos e foi eleito a obra mais importante de tudo o que se produziu em artes plásticas no século XX.  Na verdade, o urinol de parede, que Duchamp intitulou de "Fonte" e assinou como sendo de R. Mutt, produzido pela J. L. Motta Iron Works Company, nem chegou a ser exibido naquele salão, porque foi censurado e a peça original, relegada, desapareceu.

A obra é considerada fundadora da contemporaneidade, portanto, não existiu, foi uma simples idéia e que permaneceu "in absentia" até os anos 1940, quando Duchamp começou a fazer réplicas dela para vários museus. Em 1990, a Tate Galery pagou um milhão de libras por uma dessas cópias.

Embora Duchamp dissesse que o urinol era apenas um urinol, um objeto deslocado de suas funções, alguns críticos, como George Dickie, começaram a ver nessa porcelana as mesmas virtudes plásticas das obras de Brancusi.  Outros críticos, -já que o urinol havia desaparecido, começaram a ver na fotografia do mesmo feita por Stieglitz uma referência à deusa Vênus, que surgiu das águas.  Alguns considerando bem a fotografia do urinol concluíram que ali estava projetada a efígie de Nossa Senhora.  Já a mulher do músico de vanguarda Eduardo Varese sustentava que o urinol era a reprodução da imagem de Buda.

Duchamp, embora dissesse que o artista não deve se repetir, mandou fazer várias réplicas desse urinol para vender para museus, e confeccionou uma caixa portátil com miniaturas de suas obras para vender também para museus e colecionadores.

Curiosidades:

- Em 1993, numa exposição em Nymes, o artista francês Pierre Pinnocelli se aproximou de um dos urinóis de Duchamp e decidiu se "apropriar" da obra, primeiro urinando nela e dizendo que o fato de ter urinado nela a obra de Duchamp agora lhe pertencia.  Depois de ter urinado no urinol, Pinnocelli, pegou um martelo e quebrou a obra de Duchamp com o argumento de que agora a obra era dele, ele havia se "apropriado" conceitualmente dela. Ele foi processado pelo estado francês que lhe exigiu uma hipoteca de 300.000 francos e que a questão deixou de ser estética para ser policial e até o Ministro da Justiça e da Cultura na França tiveram que opinar.  O mesmo Pinnocelli em 2005, obcecado pelo urinol, insistindo que o urinol é de quem "intervem" nele, atacou a marteladas a cópia dessa obra no Beaubourg, em Paris, o que provocou novos problemas com a polícia;

- Duchamp dizia que o nome "Mutt" que botou no urinol, como sendo o do pretenso autor (que era ele mesmo) era uma homenagem aos personagens em quadrinho- Mutt e Jeff.  Mesmo assim Jean Clair- considerado o maior critico francês da atualidade-, prefere entender que "Mutt" remete para uma gíria em inglês significando "imbecil" e que o pseudônimo "R. Mutt" lembra "armut, que em alemão significa "indigência", "penúria";

- Calvin Tomkins-o biógrafo de Duchamp acha que aquele urinol é a imagem que Duchamp tinha da mulher como receptáculo do líquido masculino, em consonância com os futuristas italianos que diziam que a mulher era um "urinol de carne".

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